Reflexões

A Pergunta Fundamental: Quem Sou Eu?

Você já se fez essa pergunta de forma sincera?

À primeira vista, parece uma questão simples. No entanto, ao tentar respondê-la, percebemos que pode ser um desafio profundo.

Lembro-me de um trabalho que fizemos na aula de uma querida professora de Antropologia, cujo tema era subjetividade. No início, pensávamos tratar-se de uma palavra comum, mas, à medida que nos aprofundávamos no assunto, percebemos que não era algo tão trivial.

Desde o nascimento, o indivíduo inicia seu processo de aprendizagem. É um percurso que dura a vida inteira. Aprendemos a partir de modelos, da linguagem, da família, dos erros, dos acertos, da cultura, da comunidade, dos amigos, da escola e de todos os aspectos que permeiam a nossa existência no mundo.

Entretanto, ao crescermos, percebemos que nos interessamos mais por determinados assuntos, simpatizamos com certas pessoas, defendemos pontos de vista específicos e acreditamos que nossas ideias são puramente nossas. No entanto, muitas vezes, o que chamamos de subjetividade não passa de uma repetição inconsciente de ideias alheias.

Somos Donos dos Nossos Pensamentos?

Com o advento da inteligência artificial, muitas críticas surgiram sobre a originalidade dos textos, imagens e até mesmo músicas geradas por ela. Aquilo que parece uma criação autêntica pode ser apenas uma cópia ou uma alteração de obras já existentes. Entretanto, esse mesmo fenômeno ocorre constantemente conosco: temos uma frase pronta em mente, mas nem sempre sabemos quem foi o autor original.

Sem perceber, de modo muito sutil, integramos ideias contrárias aos nossos valores e nos alimentamos de tudo sem qualquer senso crítico, sem ao menos questionar a origem. Absorvemos conceitos e, muitas vezes, sequer refletimos sobre o que realmente pensamos a respeito de um determinado tema.

O Paradoxo da Informação e da Experiência

Vivemos na era do conhecimento acessível, mas, paradoxalmente, perdemos a conexão com a experiência. Escolhemos restaurantes com base em avaliações de terceiros, tomamos decisões influenciadas por vivências alheias e evitamos o risco de errar. No entanto, ao fugir dos tropeços, abrimos mão de momentos únicos e das lições que só a prática pode ensinar.

Citamos grandes pensadores para demonstrar erudição, mas até que ponto conseguimos elaborar nossas próprias reflexões? Estamos perdendo a capacidade de criar, de construir um pensamento autêntico, simplesmente porque não nos conhecemos o suficiente.

Na Antiguidade, a experiência moldava a percepção da realidade. A vivência dissolvia a arrogância ingînua da juventude e proporcionava maior discernimento. Com o tempo, o sujeito entendia que o verdadeiro valor não estava em transformar o mundo, mas sim em compreender a si mesmo — e isso já era um passo significativo.

O autoconhecimento exige esforço diário e sacrifícios: a renúncia de falsas crenças e a busca profunda por interpretar aquilo que se aprendeu ao longo da vida. A sabedoria floresce quando assimilamos o conhecimento de diferentes autores, professores e experiências e o confrontamos com o que realmente faz sentido para nós.

Todos nós temos desejos e sonhamos realizar a maior parte deles, mas será que a concretização de alguns desses desejos não entra em conflito com as ideias que defendemos?

Ego, Ideal do Ego e Ego Ideal

Na abordagem psicanalítica, o Ego representa a instância mediadora entre o Id (nossos desejos e pulsões mais primitivas) e o Superego (as normas e valores internalizados ao longo da vida). O resultado dessa dinâmica influencia as decisões que tomamos e, consequentemente, a construção da nossa personalidade.

Freud explica que o Ego é responsável por mediar os conflitos inconscientes resultantes da interação entre o Id e o Superego. Imagine um indivíduo com um desejo impulsivo: o Id sugere que ele aposte todo o seu salário em um jogo — “Aposte, vai dar certo!” — enquanto o Superego analisa as normas, pondera as consequências e sinaliza os riscos dessa escolha. Nesse momento, o Ego entra em ação, equilibra os extremos e decide qual ação tomar.

Mas será que a visão que temos de nós mesmos corresponde ao modo como realmente nos comportamos?

Infelizmente, nem sempre temos essa coerência interna. Em alguns casos, o conflito interno é tão intenso que perdemos a clareza sobre quem realmente somos, quais são nossos desejos e valores mais importantes. Isso pode nos levar a agir de maneira desalinhada com a imagem que temos de nós mesmos.

Na psicanálise, Freud utiliza o conceito de Ego Ideal, comparável à sensação de plenitude que um bebê experimenta ao estar com sua mãe, quando todos os seus desejos são atendidos. O problema surge quando o indivíduo carrega essa ilusão para a vida adulta, negando seus próprios conflitos internos e agindo de forma contrária ao que realmente acredita (Laplanche et al., 2001).

Quando o Ego amadurece, ele se torna mais coerente. O indivíduo compreende que talvez ainda não seja aquilo que gostaria de ser (seu Ideal do Ego), mas luta para reduzir os conflitos, analisando seus desejos e refletindo sobre as “proibições e possíveis consequências” impostas pelo Superego  e decidimos de forma consciente qual o caminho mais adequado, sem culpas e ressentimentos.

O Caminho Para o Autoconhecimento

Será que nossos comportamentos refletem, de fato, aquilo em que acreditamos? Conseguimos afirmar com convicção nossas escolhas, compreendendo as consequências que elas trazem?

Quando não sabemos quem somos, corremos o risco de trilhar caminhos que não escolhemos conscientemente. Isso pode nos levar a experiências frustrantes e a uma sensação constante de desalinhamento com nossa essência.

A resposta para a pergunta inicial — Quem sou eu? — não precisa ser imediata. Mas, ao iniciar essa jornada, damos um passo essencial rumo à individuação, à busca pelo sentido da vida e ao processo no qual nossa verdadeira subjetividade emerge gradativamente.

Rogério Lima.

Referência:

Laplanche, J., Jean-Bertrand Pontalis, & Tamen, P. (2001). Vocabulário da Psicanálise. Martins Fontes.

 

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